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terça-feira, 10 de junho de 2014

Seminário Fundap revelou os detalhes da nova lei anticorrupção

Palestrantes foram incisivos sobre a determinação da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas
A nova lei anticorrupção surgiu a partir da pressão internacional e veio completar o conjunto da legislação preexistente. Ao estabelecer sanções e estipular com maior precisão a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, seu êxito vai depender de sua capacidade de estímulo à implantação de políticas internas de compliance [obediência] nas empresas. Essas foram as principais conclusões do seminário sobre a Lei Anticorrupção (12.846/2013) que também analisou o decreto 60.106/2014, que regulamenta o tema em nível estadual. O evento foi realizado pela Fundap na última sexta-feira (6/6) com a presença do público previamente inscrito, mas também foi transmitido ao vivo pela internet, por meio do Programa de Tecnologia para Rede de Escolas de Governo -  TecReg, ampliando seu alcance aos milhares de servidores espalhados por todo o estado de São Paulo. Além das questões  encaminhadas pelos participantes no próprio auditório, o Seminário Fundap permitiu que os palestrantes respondessem perguntas e comentários enviados também pela audiência online.
Carlos Alberto Monteiro de Aguiar, diretor técnico de planejamento e gestão pública, abriu o seminário em nome do diretor-executivo da Fundap, Wanderley Messias da Costa. Segundo ele, o objetivo do seminário foi o de ajudar os servidores públicos a compreenderem e cumprirem a lei, lembrando que o evento era uma ação integrada ao esforço do governo em prevenir e combater a corrupção para melhorar a eficiência da gestão.
A primeira palestra – “Apresentação da lei e sua compatibilidade com outras leis punitivas”- foi deCarlos Ari Sunfeld - da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, doutor e mestre pela Faculdade de Direito da PUC-SP e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público. O professor fez uma introdução ao conteúdo a ser discutido durante o seminário e chamou a atenção para a confusão existente sobre o poderes da nova lei. Ele ressaltou a necessidade de uma compreensão maior do conjunto complexo de leis e normas contra irregularidades no campo administrativo. “O grande desafio dessa lei é a sua relação com todo esse sistema de sanções civis, administrativas e penais. É uma lei que incide conjuntamente com a da improbidade, e outras”. E completou: “imagina-se no Brasil que o aumento de punições irá dar eficácia ao combate à corrupção”, com o que ele não concorda.
Em seguida, a professora de direito administrativo da FGV Vera Monteiro destacou as origens do projeto dessa lei. A convenção da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - sobre corrupção de funcionários públicos estrangeiros, de 1997, que criminalizou a conduta de corromper funcionários públicos estrangeiros, foi instituída por decreto federal no Brasil no ano 2.000. A partir daí surgiu a necessidade de adequar a legislação brasileira sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
Vera Monteiro foi enfática ao destacar a responsabilidade objetiva das empresas em casos de corrupção. Responsabilidade objetiva é aquela atribuída a priori, que independe de uma determinação formal da empresa para seus diretores e empregados corromperem alguém. “Toda pessoa jurídica atua por meio de uma pessoa física. A responsabilidade se configura por qualquer vínculo, mesmo informal, que permita que a pessoa jurídica controle a pessoa física”, destaca. Segundo ela, a responsabilização objetiva irá obrigar as pessoas jurídicas a controlarem os atos de seus representantes.
“Se já temos várias leis contra a corrupção, pra que precisamos de mais uma”? Essa foi a pergunta de Levi de Mello, procurador do Estado e diretor do Departamento de Assuntos Jurídicos e Disciplinares da Corregedoria Geral da Administração do estado de São Paulo. “Assim como há vários remédios para uma mesma doença, precisamos de vários remédios contra a corrupção. Um só não resolve”, explicou Levi. Ele mencionou que os mecanismos de compliance adotados pelas empresas serão considerados nas apurações da corregedoria. “Negar isso é negar o contraditório, é suprimir o direito à ampla defesa”, acrescentou.
Jabuti
O procurador de justiça Marco Vinício Petrelluzzi, do Ministério Público paulista, relembrou as origens do projeto de lei apontadas pela professora Vera para observar que “jabuti não sobe em árvore”. Segundo ele, o jabuti foi colocado na árvore durante o processo de impeachment do presidente norteamericano  Richard Nixon, quando descobriu-se que grandes empresas americanas de armamentos contabilizavam propinas pagas a funcionários públicos estrangeiros. Foi aí que a OCDE entrou em cena. Os empresários americanos alegaram que os outros países faziam a mesma coisa, e que eles ficariam alijados do negócio se fossem os únicos a serem proibidos de fazer isso. Apesar da origem “alienígena”, Petrelluzzi considerou que, se a lei não traz princípios inéditos, pelo menos promoveu alguns pouco observados, como o de responsabilidade objetiva.
E qual o papel do Ministério Público nisso tudo? “O MP tem que buscar a responsabilização das pessoas jurídicas suscetíveis, inclusive junto com as autoridades administrativas. E no caso de omissão delas, poderá requerer a sanção dos responsáveis’, revelou o procurador. E alertou: “o MP será protagonista, e não coadjuvante na aplicação da lei”.
No encerramento da seção matinal, o professor Sundfeld destacou as imprecisões contidas na nova lei. “É mais uma lei com conceitos vagos para facilitar as sanções. Mas isso também facilita a impunidade, o que gera frustração. Sundfeld considerou que não há como controlar todas as incertezas de ambos os lados, público e privado. “Agentes públicos e privados decidem num ambiente de incerteza e isso não é ilícito. A lei foi feita para punir desvios e falsidades e não aqueles que decidem diante da incerteza”, concluiu.
O período da tarde foi aberto pelo professor Jacintho Arruda Câmara, mestre e doutor em direito administrativo da PUC-SP, que foi taxativo desde o início. “Há uma grande pressão da sociedade que gera grande produção normativa. Normas jurídicas, por melhores que sejam, porém, não alteram condutas”, sentenciou. A Constituição de 1988, segundo ele, “escancarou” o assunto ao instituir o princípio da impessoalidade. Já temos leis contra a improbidade administrativa e dos crimes contra a administração e, agora, a lei anticorrupção.
Além da pressão internacional já apontada no início, Jacintho lembrou a pressão dos protestos de junho do ano passado, que levaram à aprovação da lei em agosto. “Tivemos novamente uma resposta jurídica ao combate à corrupção”, considerou.
Competências
“Não há novidade também na separação das competências e sanções administrativas e penais”, prosseguiu o professor Jacintho. A lei reservou duas sanções para a administração: multa e publicidade da sentença. Em comparação ao disposto pela lei 8.666 e ao pregão, a administração passa a aplicar sansão pecuniária. Do ponto de vista prático, os órgãos de controle passam a desempenhar papel punitivo mais intenso.
Segundo Jacintho, a grande novidade consiste na previsão de competência concorrente do secretário e do presidente da Controladoria Geral da Administração, que deverá estimular sua vigilância. Medidas de caráter cautelar devem ser requeridas em juízo. Outra inovação que chama a atenção é a competência da autoridade administrativa para sustar eficácia de atos por conta própria. O MP, por sua vez, tem autonomia para promover ação judicial a qualquer tempo,  contestando inclusive decisões administrativas. Mas resta uma dúvida: a lei restringe prerrogativa do MP obter de sanções administrativas em caso de “omissão” da administração, mas não define como e quando isso pode ocorrer.
A lei permite optar pela competência mais adequada a caso, e até mesmo a utilizar ambos os procedimentos. Isso deverá provocar debates que irão incentivar a defesa. Há a possibilidade de contestação judicial de punição administrativa restritiva de direitos. Tudo isso ainda vai demandar algum tempo para firmar jurisprudência.
Compliance
“O sucesso dessa lei será avaliado pela mudança de comportamento da empresas, pela redução da leniência, e não pela quantidade de penas e multas aplicadas”. Essa foi a conclusão final de Floriano de Azevedo Marques Neto - professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito-USP – que falou sobre “Sanções na lei e mecanismos de compliance”.
Como seus antecessores, Floriano minimizou o caráter inovador da lei. “Nada que era lícito tornou-se ilícito” e “pouco mudou sobre punições”, afirmou. Para ele, o principal objetivo da nova lei é desestimular a conduta indesejada. “A lei pretende alcançar a estrutura na qual o corrupto se insere e que permite sua ação”, explicou ele. Ela permite punir a empresa que propiciou o ato de corrupção e quem se beneficiou deles também. E incentiva os mecanismos de autocontrole, chamados decompliance, da tradição anglosaxônica que a inspirou. Floriano observa que a lei incentiva mas não define políticas de compliance pelas empresas, dando a elas a liberdade necessária para se organizarem segundo suas próprias condições. E permite a elas o direito de regressão e indenização por prejuízos causados pela violação dessas regras por parte de seus funcionários e colaboradores.
A adoção de políticas e programas de controles internos e a colaboração com a Justiça – inclusive com incentivo à denúncia dos demais envolvidos – tornarão possíveis os acordos de leniência. Eles poderão reduzir até dois terços e eliminar a pena de publicidade da sentença, dentre várias outras sanções, como as previstas na lei 8.666/1993, a perda dos bens, direitos e valores havidos por meio da infração, a dissolução da pessoas jurídica e a proibição de recebimento de inventivos ou vantagens.
Enfim, o seminário confirmou que a lei não pode impedir o crime, mas pode torná-lo menos fácil e menos vantajoso.
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