Por
Ariel de Jesus Silva e Vanessa Cristina Lourenço Casotti Ferreira da Palma
Atualmente a legislação brasileira vem obtendo grandes avanços na tratativa de pessoas com deficiência, porém deve ser levado em consideração que, em disparidade com esses avanços, alguns costumes ainda povoam a sociedade de preconceitos. Uma das maiores problemáticas envolvendo o deficiente é em relação aos próprios termos utilizados em sua identificação, o que, embora possa parecer de pouca significância, representa uma barreira à igualdade social.
Esse preconceito velado torna-se explícito quando observamos a evolução das nomenclaturas no aparato legislativo nacional. O antecessor do código civil em vigor, de 1916, utilizado até 2002, tratava, no que diz respeito às incapacidades, os deficientes mentais como “loucos de todo o gênero”. Apesar de soar absurdo, o Estado, com essa escolha de palavras, fomentava o preconceito aos deficientes mentais. Mas ainda hoje há resquícios desse problema na própria Constituição, com a utilização do termo “portador”.
A palavra inocente (portador) aplicada à deficiência denota uma ignorância ou maldade por parte de seus locutores. Tanto que, em um caso recente, a própria presidenta da república caiu nas armadilhas da linguagem e foi vaiada ao se referir aos deficientes como “portadores de deficiência”. Portar algo demonstra uma possibilidade de deixar de fazê-lo tão logo quanto se queira e, infelizmente, não é o caso da deficiência. Ignorar esse fato é menosprezar as dificuldades e anseios do deficiente.
Também se deve mencionar que há traços desse preconceito em nossa história, sobretudo quando se percebe que a própria literatura registrou a tratativa desumana que outrora era praxe com os deficientes. José de Alencar, por exemplo, no romance Til, trata o personagem Brás, deficiente mental, de forma detestável. Utiliza diversos termos para desqualificá-lo da condição de ser humano, dos quais o mais “suave” é parvo (idiota). Malgrado esse tratamento reproduza ojeriza na atualidade, à época de sua concepção o romance apenas demonstrava a realidade do tratamento dado a essas pessoas.
Essas formas de tratamento desrespeitosas reproduzidas por tantos e pela própria autoridade máxima do Executivo, é resultado de um processo de exclusão histórica e da escolha de palavras dos legisladores na Constituição de 1988, que adotaram o termo “portador”, incompatível com a característica duradoura das deficiências. Hoje, os termos mais adequados e utilizados pela comunidade internacional são “pessoa com deficiência” ou simplesmente “deficiente”.
Assim, pode-se afirmar que o preconceito aos deficientes e, consequentemente, a sua exclusão constituem-se em uma realidade complexa e de difícil dissolução; no entanto um simples passo, como a melhora na forma de tratamento, pode representar um começo significativo para essa mudança.
É necessário reconhecer que os termos de referência ao deficiente têm uma carga de importância legislativa, porém é na prática que se deve garantir sua aplicação e, por conseguinte, o respeito e a inclusão dessa parcela significativa da sociedade. Devemos atentar para o fato de que a norma produz e reproduz realidades sociais, bem como auxilia na redução de preconceitos, mas é no dia a dia que se constrói uma sociedade inclusiva.